O Equilíbrio Invisível: Porque Precisamos de Grandes Empresas… e de Pequenas Também

Vivemos tempos em que o debate sobre o tecido empresarial se tornou quase binário: de um lado, a glorificação das grandes multinacionais como motores da economia global; do outro, a exaltação das micro e pequenas empresas como guardiãs da inovação local e da resiliência social. Mas esta dicotomia é falsa. Não estamos perante lados opostos de uma batalha económica. Estamos, isso sim, perante pilares distintos de um mesmo edifício — e quando um falha, todo o sistema ameaça ruir.
A estabilidade económica e social de um país — Portugal incluído — depende do equilíbrio funcional entre todos os tipos de empresas. Quando esse equilíbrio se quebra, as consequências não são teóricas: são reais, tangíveis e sentidas nas ruas, nos lares, nas praças vazias de vilas esquecidas.
A ilusão da separação
É confortável dizer que “as grandes empresas movem a economia”. E é, em muitos aspetos, verdade. Com presença global, orçamentos colossais e poder de influência política, são elas que empurram a fronteira tecnológica e moldam as cadeias de valor internacionais. Mas é um erro pensar que isso basta.
Mais próximo do chão que pisamos, são as pequenas e médias empresas (PME) que garantem a coesão. São elas que dão emprego local, oferecem oportunidades a quem está a começar, mantêm vivas as comunidades do interior e contribuem para uma distribuição mais justa do rendimento. Em Portugal e na Europa, representam mais de 90% das empresas e são responsáveis por até 70% do emprego.
Costumo dizer — e mantenho — que as grandes empresas sustentam a estrutura económica. Mas são as pequenas que sustentam a estrutura social. E uma sociedade sem estrutura social sólida está condenada, mesmo com índices económicos aparentemente saudáveis.
Quando o desequilíbrio fere
Sempre que o sistema favorece excessivamente um dos lados, os sinais tornam-se evidentes. Sem grandes empresas, não há músculo para competir lá fora. Mas sem PME, há desemprego, há êxodo, há quebra de esperança. A crise de 2008 mostrou isso de forma cruel: enquanto muitas grandes empresas foram resgatadas, milhares de pequenos negócios fecharam — levando consigo empregos, estabilidade e dignidade em comunidades inteiras.
E mais: quando as políticas públicas se concentram apenas nas “grandes”, seja através de incentivos fiscais ou de linhas de crédito desenhadas à medida de quem já tem escala, perpetua-se um sistema viciado. Um sistema que sufoca quem tenta crescer e cristaliza quem já domina.
O erro da visão única
Há quem acredite que o futuro é das gigantes tecnológicas. Outros apostam tudo no comércio de proximidade e no empreendedorismo artesanal. Ambos erram por excesso de crença. A verdade está na diversidade. Um país precisa de unicórnios e de sapateiros. De plataformas globais e de padarias locais. De cadeias de produção e de oficinas familiares.
A estrutura empresarial de um país não é uma linha de montagem — é um ecossistema. Retira-se um elemento e o desequilíbrio instala-se.
O que precisamos?
O caminho não está num ideal utópico onde todos ganham sempre. Mas podemos — e devemos — construir um modelo mais inteligente, mais justo e funcional. Um modelo que simplifique o crescimento das PME, reduzindo a burocracia, facilitando o acesso ao financiamento e criando verdadeiros programas de apoio à internacionalização. Um modelo que exija das grandes empresas um compromisso claro com o país onde operam: impostos justos, reinvestimento local, responsabilidade social que vá além do marketing. Um modelo que estimule a colaboração entre grandes e pequenas, através de cadeias de fornecimento locais, inovação em parceria e subcontratação consciente. E, acima de tudo, um modelo que una políticas de emprego e de apoio empresarial — porque o futuro do trabalho está, cada vez mais, nas mãos de pequenos empresários com ambição.
Conclusão
O desemprego, a pobreza, o abandono do interior, o colapso de comunidades não são apenas questões sociais. São sintomas de um desequilíbrio profundo no modelo empresarial. E enquanto continuarmos a ver grandes e pequenas empresas como forças separadas — ou até como rivais — estaremos a perder a essência da economia real.
Portugal precisa de reencontrar o equilíbrio. Porque sem grandes empresas não há escala. Mas sem pequenas empresas… não há sociedade.
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