“As PME são a espinha dorsal da economia” — será mesmo?

"As PME são a espinha dorsal da economia." — Uma frase repetida até à exaustão por políticos, comissões europeias, consultores e até pequenos empresários. Ouvimo-la tantas vezes que já nem a questionamos. Mas talvez devêssemos.
Há expressões que soam bem. São fáceis de memorizar, simpáticas ao ouvido e, por isso mesmo, altamente perigosas. Tornam-se mantras que escapam ao crivo do pensamento crítico. Esta é uma delas.
A metáfora da espinha dorsal sugere algo estrutural, firme, indispensável ao funcionamento de um corpo. Mas será que se aplica, de forma justa, às Pequenas e Médias Empresas (PME)? Ou estamos apenas perante mais uma imagem simpática, mas conceptualmente frágil?
De acordo com os dados da Comissão Europeia, as PME representam 99% das empresas no espaço da União e são responsáveis por cerca de dois terços do emprego privado. Os números são esmagadores. Mas quantidade não é sinónimo de centralidade estrutural. Se a espinha dorsal, no corpo humano, representa uma pequena porção anatómica com uma função de sustentação, não faria mais sentido dizer que as PME, pela sua ubiquidade e função transversal, compõem o corpo inteiro — músculos, nervos, órgãos e até a pele do sistema económico?
A frase, embora elogiosa, está profundamente desalinhada com o facto que pretende representar. Reduz a complexidade de um ecossistema inteiro a uma imagem poética. E como todas as imagens que simplificam demais, corre o risco de gerar interpretações erradas.
É que muitas PME vivem no limite da sobrevivência. Operam com margens reduzidas, baixo poder negocial, pouca capacidade de inovação autónoma e elevada dependência de grandes empresas — sejam estas clientes, fornecedores ou financiadoras. Nesse contexto, como assumir que são o pilar estrutural da economia, se estão mais expostas às fragilidades do que às capacidades sistémicas?
Por outro lado, desvalorizar as PME seria outro erro. São, de facto, essenciais à coesão social, ao emprego local, à inclusão territorial e à mobilidade económica. São a face visível do empreendedorismo e o terreno fértil onde nascem ideias, relações e soluções de proximidade.
Mas não podemos esquecer o papel das grandes empresas, com o seu peso na balança comercial, capacidade de investimento, impacto em inovação tecnológica e influência em políticas públicas. As grandes empresas não são o inimigo — são uma peça vital do mesmo organismo.
O erro está em escolher entre umas e outras. Em pensar que o país pode sobreviver apenas com cafés, ateliers e start-ups, ou apenas com multinacionais e grandes grupos. A economia é um organismo vivo, interdependente, e quando um sistema colapsa — seja o nervoso, o muscular ou o esquelético — o corpo inteiro sofre.
Não, as PME não são a espinha dorsal da economia. São muito mais do que isso. São parte orgânica e funcional do todo. E talvez, em vez de repetir frases feitas, devêssemos começar a construir uma nova linguagem para refletir melhor a complexidade do mundo onde vivemos.
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